sábado, 28 de maio de 2011

Quem conta um conto aumenta um ponto

No período da Idade Média a palavra conto estava relacionada ao contar uma história, ou seja, um conto nada mais era do que um relato de acontecimentos. A tradição de narrar histórias, histórias que passaram de pessoa para pessoa, tornou-se importante pela sua dimensão utilitária e o ensinamento moral que muitas vezes a elas era atribuído. Nesse sentido, em sua origem, o conto traz semelhanças próprias ao que hoje conhecemos por fábula.

Os clássicos “contos de fadas” (ou “contos da carochinha”) são compilações de registros de narrativas orais, tradicionais entre os século XVI e XVIII, que com o passar dos tempos integraram em sua essência uma espécie de “moral” tal como a que se lê na versão de Chapeuzinho Vermelho do francês Charles Perrault:

Vemos aqui que as meninas, E sobretudo as mocinhas Lindas, elegantes e finas, Não devem a qualquer um escutar.E se o fazem, não é surpresa Que do lobo virem o jantar. Falo "do" lobo, pois nem todos eles São de fato equiparáveis. Alguns são até muito amáveis, Serenos, sem fel nem irritação. Esses doces lobos, com toda educação, Acompanham as jovens senhoritas Pelos becos afora e além do portão. Mas ai! Esses lobos gentis e prestimosos, São, entre todos, os mais perigosos.
Em sua origem, esses tipos de contos narravam acontecimentos hediondos, cenas de estupro e assassinatos,  semelhante à versão dos irmãos Grimm (ler aqui).

As versões de Chico Buarque (ler aqui) e Guimarães Rosa (ler aqui) nos remetem a essa já conhecida historia. Desde a leitura do subtítulo do conto de Guimarães, o leitor se encontra na posição de não apenas ler uma nova historia, mas de reler outra a qual esta se assemelha. Por isso “nova velha história”, uma  versão nova de algo que já conhecemos.

Trata-se, então, de um pacto de reconhecimento. A leitura se desenvolve com base na identificação de elementos presentes na estrutura narrativa, elementos que não são necessariamente idênticos, mas que exercem a mesma função. Por exemplo, a existência de personagens-chaves que desencadeiam as principais ações do enredo (como a mãe que pede à filha para levar doces a avó), ou a presença de um elemento símbolo que dá nome à personagem principal, “fita verde” e “chapeuzinho amarelo”. Sabemos que são  versões porque todas apresentam a mesma perspectiva dramática, com o mesmo conflito: a menina deve escolher entre dois caminhos e evitar encontrar o lobo. Entretanto, não se lê a mesma história, porque cada uma renova, a seu modo, a estrutura narrativa, possibilitando, inclusive, finais diferentes.

A diferença não se baseia apenas na alteração no enredo, mas também no plano da linguagem que cada autor expressa, como quando Guimarães faz uso da repetição de fonemas (aliteração) quando escreve “havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam”, ou quando Chico Buarque trabalha a ordem do discurso numa transformação do plano simbólico do nomear, em que a relação entre a linguagem e o acontecimento são análogas e metaforizadas no enredo: “LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO" (lobo - bolo).

Nesse sentido, a literatura pode estar vinculada a uma concepção voltada à construção intertextual, em que as narrativas são eventos lingüísticos e literários cujo significado só existe em relação a textos já existentes.

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