sábado, 28 de maio de 2011

Fita Verde no Cabelo – nova velha estória, de João Guimarães Rosa

(publicação relativa ao texto quem conta um conto aumenta um ponto)

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam.
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.
Fita - Verde  partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar fambroesas.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo.
Então ela, mesma, era quem dizia:
- Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.
A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa.
 Vinha sobejadamente.
 Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
 - Quem é?
- Sou eu.. - e Fita Verde descansou a voz. - Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou.
Vai, a avó difícil, disse: - Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe.
Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar apagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita Vede se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço.
Ela perguntou:
- Vovozinha, que braços tão magros, os  seus, e que mãos tão trementes!
- É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... - a avó murmurou.
- Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados.
 -É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta... - a avó suspirou.
- Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?
- É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha... - a avó ainda gemeu.
Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou:
 - Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...
Mas a avó não estava  mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

Nenhum comentário: