domingo, 5 de maio de 2013

Morte e Vida Severina

Em 2011, estive presente em algumas sessões do AnimaMundi. Não me recordo, obviamente, de tudo o que eu vi, mas lembro-me fascinada com a adaptação da adaptação de Morte e Vida Severina* [mais]. Hoje, passeando pela internet, participei novamente dessa experiência (vídeos ao final do texto).


[ 1956 ]
O que ficou bem marcado nos meus registros sensoriais sobre essa adaptação do poema de João Cabral de Melo Neto foi o traçado do cartunista Miguel Falcão que carrega consigo o olhar e a linguagem contemporâneos sobre a narrativa versificada, originalmente de 1956.
O texto, reproduzido em off, acompanha a rudeza do tema e a delicadeza poética impressas no preto e no branco de Falcão. O excesso de branco causa contrastes fortes, como se o diafragma da câmera sofresse longa exposição. Funciona como os olhos humanos, em ambientes de excessiva luz: é o sol escaldante do sertão reluzindo.
Esse movimento breve de cores (ou ausência delas), reflete a dualidade maniqueísta trágica. O ser e não ser inerente nas sombras, nas profundezas reentrantes e lacunares do desenho da alma humana.



A tragédia, inicialmente verborrágica, é traçada como o elemento que nos permite experiências metafísicas e não apenas como marca de acontecimentos funestos. A condição humana, severina e retirante, da migração de uma vida em busca de outra vida (melhor).


A poesia de Cabral de Melo, delineada nos riscos de Falcão, expressa a apreensão de uma realidade paralela à necessidade de transformação. Severino, homem do agreste, é seguido pela Morte em todo seu percurso existencial. Uma perseguição que não lhe é pessoal, pois a Morte figura como presença pertencente a todos, de maneira sempre ameaçadora.


A adaptação para os quadrinhos demonstra uma identificação e a sensibilização sobre o tema, pois reconhece os ermos metafísicos de JCMN, tornando-o compreensível em sua materialidade visual, seguindo o mesmo rigor métrico do poeta a partir da verdade do traçado caricatural da Morte.


* versão audiovisual em 3D da adaptação para os quadrinhos do poema de JCMN. Tem 56 minutos de duração e é dirigida por Afonso Serpa, com trilha sonora de Lucas Santtana e Gero Camilo como intérprete de Severino.
Para assistir aos vídeos, clique aqui: animação e making off

  • Miguel Falcão é chargista e ilustrador do Jornal do Comercio de Recife e colaborador da revista Continente Multicultural. Fundador da Associação dos Cartunistas de Pernambuco, o quadrinista é formado em Design pela UFPE.A versão em quadrinho do poema "Morte e Vida Severina" foi publicada em 2005 pela Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco.

Nenhum comentário: