quinta-feira, 30 de maio de 2013

Gosto dos livros que me causam uma poética perturbação visual e narrativa.

Hoje em dia, nesse mundo em que palavra se tornou imagem, figura, ou qualquer termo que a aproxime de uma materialidade plástica, acredito ser impossível manter-se apenas no prazer estético de uma linguagem, uma que não acompanhe o hibridismo puro do mundo atual. Por esse motivo, sempre devoto paixão pelos livros de "autores completos", autores-ilustradores-escritores-de-design. Nessa minha "categoria", listo Shaun Tan, André Neves, Eva Furnari, Wolf Erlbruch, Sempè.

Dois livros, recém lançados, causaram-me essa sensação de palavra desenhada em imagem verbalizada, sabem? Dois livros extramente sensíveis, de uma sensibilidade natural à leitura feita pelos autores sobre os temas abordados e expressiva à maneira como eles se comunicaram conosco, leitores.

sinopse da editora]
[ sinopse da editora]
  

O primeiro livro narra a história de um garotinho que enxergava pessoas "invisíveis", pessoas que nós nos acostumamos (ou preferimos) não ver: mendigos, garis, trabalhadores de ruas, etc. Esse super poder do garoto manifesta a cegueira social que nos atinge, e que apaga dos nossos horizontes esses seres marginalizados. A invisibilidade que os cerca é naturalizada conforme o garoto amadurece, demonstrando um comportamento proprio do ser humano. A cegueira não está simplesmente relacionada à fase adulta, mas sim à ideia de como nos moldamos a certos comportamentos, como perdemos a sensibilidade e a percepção para determinados assuntos conforme nos fechamos ao mundo, esse mundo adulto, cego, domesticado, de estéril curiosidade sobre o que nos cerca. A criança, essa com super poderes, tem nos raios laranjas a capacidade de iluminar aqueles que estão apagados de nós.
A ilustração de Renato Moriconi, traz em sua simplicidade e minimalismo, a força da questão temática, trazendo a realidade para o texto poético, emergindo da fantasia o senso critico do leitor.

André Neves, autor do segundo livro, atinge no seu traço a fineza e delicadeza da história de um menino, Tom, que vive no silêncio, incompreendido por todos, vivente da própria solidão de seus pensamentos. O narrador dessa historia é seu irmão, que se pergunta a todo momento o porquê de Tom não se comover ou exprimir o que sente.
Sem uma forte estrutura de enredo de ações, André Neves enlaça as linhas da história demonstrando a comunicabilidade descoberta fraternalmente entre o mundo desses dois personagens (Tom é autista), numa tristeza bonita e desenhada pelas margens da nossa compreensão. Um livro de pura poesia, poesia de verbos livres. 

A beleza desses livros, principalmente em Tom, que possui "autoria completa", está nessa leveza entre a fantasia e a realidade, a abstração e o factual, em que vida e história possuem uma mesma perspectiva poética, vida como mundo concreto, e história como mundo ficcionalizado.

Possibilidades de linguagem, de dizeres, de profundidades e de ser simples. Sem dissociar texto escrito do texto imagem, como se fossem um só texto, pois são: um livro, cada um. 

Um comentário:

Felipe disse...

Alguém na minha sala repetiu aquela história de uma imagem vale mais que mil palavrazzzzzzzzzzzzzz vou mostrar esse teu texto pra ela perceber que a questão é bem mais profunda :}