domingo, 27 de novembro de 2011

O cinema com Selton Mello

 Em 2008, Selton Mello me surpreendeu com Feliz Natal, abusando de Cassavettes e criando um filme cujo desempenho atinge a perfeição, mas que, de alguma forma, não me satisfaz dizê-lo "bom".
Para ser mais sincera, em minha memória há apenas omissões sobre cenas, roteiro, atores...
Lembro-me apenas de Darlene Gloria se (con)fundindo com Gena Rowlandse...
Uma cena inicial com pessoas fazendo sexo - cena que me remete a Árido Movie... Um ferro velho...Vidro quebrado..., cenários da decadência humana... ou isso era em O Pântano de Lucréia Martel?

Associações ou remediações de uma pouca memória, o fato é que as grandes paráfrases tornaram-se meras coisas referidas.
Em Feliz Natal tudo era bom, estruturalmente falando. O impacto primeiro foi nossa!, Selton Mello sente o cinema... Mas logo em seguida veio uma sensação de exagero... e a pergunta: cadê o diretor?

Resumo a experiência que tive em Feliz Natal como um  trauma de uma fã frustrada.


Há quase duas semanas atrás, fui ao cinema assistir ao Palhaço. Não fazia ideia do que seria ir a essa sessão. Com poucas expectativas, apostei numa segunda experiência com Selton Mello na direção... Mas dessa vez ele estava também diante das câmeras, do modo como eu prefiro.

Das reações primeiras, fiquei encantada com a proposta de beleza que já vinha acompanhando desde a publicidade do filme... (acredito que a magia do título, por si só, carrega consigo uma poética natural, ainda que por vezes a figura de um palhaço possa estar associada a outras imagens que não sejam propriamente circenses).

Simultânea ao encanto, conforme sequenciava-se o filme, seguia comigo uma apreensão relativa a prévios conceitos e as associações aos picadeiros de Charles Chaplin e de Fellini, apreensão substituída por uma surpresa-implicância na atuação de Selton (que de certo modo não me pareceu copiosa, mas sim forçada sob uma caricatura melancólica exagerada).

O personagem Benjamin está entregue ao ermo da alegria, encenando para nós (espectadores do filme) e para os que com ele convivem (espectadores do dentro-fora do circo) a sensação de um palhaço que está distante de seu próprio universo - eis o esteriótipo do palhaço triste, que busca o sentido do próprio riso.
Os rumos que segue Benjamin são literalmente as estradas de sua vida, que o fazem duvidar entre o vestir e o tirar o nariz de palhaço (a máscara, a persona, o alter-ego), de modo a questionar qual é a sua identidade.

(Um parágrafo-parêntese:
Curioso e impossível não relacionar a questão identitária do personagem à questão autoral do filme. E volto a indagar-me: que identidade busca registrar Selton Mello diante de si e do cenário fílmico brasileiro? ...
Me parece que o diretor gosta dos seres solitários... da procura pelo entendimento do homem no (seu) universo... Procurou isso no drama e, agora, procura na comédia.)

Desde Feliz Natal, marcas de outros cineastas apresentam-se como fundação de toda a linguagem que a câmera de Selton Mello objetiva. Se no primeiro filme as influências ultrapassam os limites de uma possível "tradução cinematográfica" e atingem a livre transcrição, em O Palhaço o diretor consegue retratos daquilo que quer expressar, mediante à sensibilidade e à admiração aos grandes cinemas, que visivelmente tornam-se presentes no seu ato cinematográfico (ainda que numa contínua absorção de identidades).

Porém, nessa segunda experiência, já nem sei se por condescendência, ou por adoração ao sorriso do ator  e aos traquejos cômicos que lhes são próprios do charme (RISOS), vejo em O Palhaço a partida para a consistência daquilo que Selton Mello quer em sua direção, pois ele consegue nos atingir tanto pelo prazer estético, quanto por um prazer hedonista... sem que os clichês distorçam a própria "funcionalidade" do filme.

O desfecho d'O Palhaço é costurado a todos os "retalhos"* do filme (diálogos entre os personagens, cenas mudas, fotografias da expressão e impressão de personagens, imagens-símbolos que atingem significação, etc). Difícil não ser contagiado pela história, pelos detalhes bem cuidados, figurinos, atuação, participação e gags de grandes e médios atores... além do roteiro bem escrito. Tive uma segunda experiência bem mais satisfatória!

Concluí que a direção de Selton Mello está aí como uma incógnita sobre quem ele é, quem é o cinema brasileiro e quais são os rumos dessa indagação por uma alteridade.
Acredito que o perigo de suas incursões em outros cinemas é também a coragem de ser quem não é, para tentar ser alguém ou a si mesmo.
Desejo apenas que ele esqueça os caminhos da linguagem que o acompanha e siga a intuição da solidão errante, manifesta em seus próprios personagens... tendo em vista que a arte não chega a lugar nenhum, pois não tem um objetivo determinado.

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* no texto original lia-se "remendos", mas a partir de uma re-leitura notei que o sentido que procurava era mais próximo se usado o termo "retalhos", ainda que este último não seja suficiente para dizer o que eu pretendia e, de certo modo, possa soar pejorativo (o que não é a intenção)  
atualização em 27 de nov às 16:46h

2 comentários:

Juliana Maués disse...

Não sei se concluo muita coisa sobre o Selton Mello diretor de cinema, até pq não vi Feliz Natal. Mas acho que já te disse que gostei de O Palhaço, sobretudo, pela sua modéstia. Tem momentos muito bonitos, outros nem tanto, mas não consigo achar nada pra dizer que seja ruim. Tudo parece funcionar direito e, dentro de uma lógica simples, mas própria, que não é um remendo de referências. Como bem disseste em um comentário: acho que aqui ele pensou mais em imagem do que em linguagem.
Ah, sobre o Selton Mello ator, tenho a impressão de que os personagens dele são muitas vezes releituras de si mesmos - não estou dizendo que isso é ruim. Parece que esse papel era pra ser do Wagner Moura ou do Santoro, mas acabou ficando com ele mesmo. Não consigo imaginar como seria de outra forma...

Mariana disse...

Gostei bem mais de O Palhaço e talvez não tenha passado isso no meu texto, porque, ao escrever, minhas reflexões me levaram para outra direção que não era necessariamente falar sobre o filme.

Esse meu comentário sobre "pensar em imagem" foi algo que me veio quando assisti ao D. Juan, do Mateus.
A grosso modo, literariamente os escritores se expressam por meio de construções linguísticas. No cinema isso seria proporcional aos diretores que já elaboram sua arte como se o filme rodasse em sua cabeça, usando a linguagem visual como partida e não um roteiro imaginário.
(Não sei se me faço entender...)

Acho que o Selton Mello faz isso, mas ele ainda está mais pra um observador da arte que experimenta, do que o artista que inventa.