Hoje em dia, nesse mundo em que palavra se tornou imagem, figura, ou qualquer termo que a aproxime de uma materialidade plástica, acredito ser impossível manter-se apenas no prazer estético de uma linguagem, uma que não acompanhe o hibridismo puro do mundo atual. Por esse motivo, sempre devoto paixão pelos livros de "autores completos", autores-ilustradores-escritores-de-design. Nessa minha "categoria", listo Shaun Tan, André Neves, Eva Furnari, Wolf Erlbruch, Sempè.
Dois livros, recém lançados, causaram-me essa sensação de palavra desenhada em imagem verbalizada, sabem? Dois livros extramente sensíveis, de uma sensibilidade natural à leitura feita pelos autores sobre os temas abordados e expressiva à maneira como eles se comunicaram conosco, leitores.
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[ sinopse da editora] |
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[ sinopse da editora] |
O primeiro livro narra a história de um garotinho que enxergava pessoas "invisíveis", pessoas que nós nos acostumamos (ou preferimos) não ver: mendigos, garis, trabalhadores de ruas, etc. Esse super poder do garoto manifesta a cegueira social que nos atinge, e que apaga dos nossos horizontes esses seres marginalizados. A invisibilidade que os cerca é naturalizada conforme o garoto amadurece, demonstrando um comportamento proprio do ser humano. A cegueira não está simplesmente relacionada à fase adulta, mas sim à ideia de como nos moldamos a certos comportamentos, como perdemos a sensibilidade e a percepção para determinados assuntos conforme nos fechamos ao mundo, esse mundo adulto, cego, domesticado, de estéril curiosidade sobre o que nos cerca. A criança, essa com super poderes, tem nos raios laranjas a capacidade de iluminar aqueles que estão apagados de nós.
A ilustração de Renato Moriconi, traz em sua simplicidade e minimalismo, a força da questão temática, trazendo a realidade para o texto poético, emergindo da fantasia o senso critico do leitor.
André Neves, autor do segundo livro, atinge no seu traço a fineza e delicadeza da história de um menino, Tom, que vive no silêncio, incompreendido por todos, vivente da própria solidão de seus pensamentos. O narrador dessa historia é seu irmão, que se pergunta a todo momento o porquê de Tom não se comover ou exprimir o que sente.
Sem uma forte estrutura de enredo de ações, André Neves enlaça as linhas da história demonstrando a comunicabilidade descoberta fraternalmente entre o mundo desses dois personagens (Tom é autista), numa tristeza bonita e desenhada pelas margens da nossa compreensão. Um livro de pura poesia, poesia de verbos livres.
Sem uma forte estrutura de enredo de ações, André Neves enlaça as linhas da história demonstrando a comunicabilidade descoberta fraternalmente entre o mundo desses dois personagens (Tom é autista), numa tristeza bonita e desenhada pelas margens da nossa compreensão. Um livro de pura poesia, poesia de verbos livres.
A beleza desses livros, principalmente em Tom, que possui "autoria completa", está nessa leveza entre a fantasia e a realidade, a abstração e o factual, em que vida e história possuem uma mesma perspectiva poética, vida como mundo concreto, e história como mundo ficcionalizado.
Possibilidades de linguagem, de dizeres, de profundidades e de ser simples. Sem dissociar texto escrito do texto imagem, como se fossem um só texto, pois são: um livro, cada um.