quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mostra Hitchcock, parte 2 – um episódio sobre o verdadeiro farsante


Na primeira vez que fui ao CCBB-RJ esse ano, esbarrei com um senhor de uns setenta anos que me empurrou descaradamente no escuro da sala de cinema. Não satisfeito, o diabo que era o velho me rogou pragas como se eu fosse a dona do empurrão.
No dia 3 de julho, esse mesmo velhote de mal com a vida, interceptou uma amiga e eu, enquanto estávamos na fila para mais uma sessão de filmes do Hitchcock.
Bêbado e mal vestido, o grisalho meio careca e meio despenteado era a imagem viva de um senhorzinho decrépito saído de um filme de horror, cuja sabedoria não se deve duvidar:
- Olha pra mim, você me acha bonito? Eu sou muito feio!
- .... ??? ....
- Por que você gosta dos filmes dele (Hitchcock)? .... Ele é um farsante, ha ha ha, um farsante, entendeu?! Você não acha que ele é um farsante? É um farsante... Te provoca coisas que você não sente.
Das mulheres impostoras, a sedutora Madeleine (Corpo que Cai) talvez seja a mais incontestável, num páreo duro com Marnie e seguida de Marion (Psicose), que surpreende seus pares com um furto, uma fuga e um disfarce para se instalar no Bates Motel.
Das graciosas, temos Sra. Froy, a agente secreta disfarçada de governanta (Dama Oculta), Melanie (Pássaros) que conquista pela mentira travessa e Blanche (Trama Macabra) a farsa hilariante em criatura...


Dos sujeitos errados, anti-heróis adoráveis, lidera John Ballantine (Spellbound), personagem pelo qual nos apaixonamos com Dra. Constance, porque afinal de contas nem ele se reconhece diante da própria farsa.

Em Ladrão de Casaca, o impostor é John Robie, ou "Gato", quando o bon-vivant sobe aos telhados...
Temos também o mocinho Ted Spencer  (Sabotagem), dissimulado verdureiro que na verdade é o sargento por trás da prisão de Mrs Verloc, criminoso que chefia o sumário dos farsantes insensíveis. Assim também é Tony Wendice (Disque M), pois ainda que não forje máscaras, finge que não vê, repete o que não foi dito e simula o que sente, maquinando o assassinato da própria esposa.

Hitchcock tem muito filmes. É difícil nomeá-los continuamente. De qualquer forma, fácil é concluir que suas historias encenam mentiras, calúnias e vaidades. Seja por amor, como em Chantagem e Confissão, ou por conspiração, como em O homem que sabia demais.
Personagens falsantes, impostores e enganadores... e o sósia de Van Meer (O Correspondente Estrangeiro) como elementos causadores da ação fílmica.

Hitchcock é um farsante? Pois quem sabe mais, nós ou seus personagens? 
O suspense por vezes está no espectador e não na obra! Terror psicológico, curiosidade veemente e voyeurismo entusiasmante. O diretor é inocente pela mácula inverdade que filma, porém culpado pela imagens sensoriais emblemáticas e tramas que provocam solavancos. A espetacular revelação da verdade que pertence à história é também a intensa verdade com que dirige a câmera.

Farsante...? Farsante é você que se inclui no rolo da película, faz gracejos e celebra a elegância da trapaça, saindo solene do cinema... mas se te acusam de um crime, ha ha ha, tenho certeza de que não farás cerimônia, caro espectador.

Já o Hitchcock... Não. Ele não é um farsante! Mas, sim....  "ele provoca coisas que você não sente".

2 comentários:

Anônimo disse...

Se há um olhar a vigiar a imagem, então não há inocência. Somos todos corruptos, ou melhor, corrompidos pelos desejos mais primários. Fingimos estar apenas a observar, mas estamos vibrando. A catarse se encarregará de desvelar, a nós mesmos, os cúmplices que somos.

Mariana disse...

exatamente