quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Cordilheira

O romance faz parte da coleção da "Amores Expressos" da Companhia das Letras, comprometida em publicar livros cujas narrativas são escritas após os autores viajarem à determinada cidade em busca de inspiração e de elementos para desenvolver uma trama amorosa.

No caso de Daniel Galera, a história acontece numa viagem à Buenos Aires. A personagem principal é uma escritora, Anita, que vai até a cidade argentina para o lançamento da tradução do seu livro. Sem maiores pretensões literárias, Anita acaba se deixando levar pelo seu novo projeto de vida. O desejo de ser mãe, e a negação de uma possível paternidade, motivou o término de seu relacionamento com Danilo. Anita, em sua complexidade e inquietudes, decide se afastar e vivenciar a cidade de Buenos Aires. 

No evento sobre seu livro ela conhece um argentino misterioso, Holden, declaradamente seu fã. Interessante e muito misterioso, ele à apresenta para um espécie de confraria da qual fazem parte seus amigos também escritores. E cada um tem uma relação muito estreita com a literatura, e com seu próprio livro.

Anita se dedica ao seu novo relacionamento, mas não se entrega completamente às crenças e ideologias que Holden e os outros integrantes do grupo compartilham.

A história é bem improvável, mas a escrita é tão bem estruturada, e a personagem é tão real, que somo convencidos desse mundo literário impreciso e complexo. 

O ponto de vista da narradora desperta várias reflexões sobre literatura, ficção e a relação de escritores com a sua própria obra. Por esses motivos, decidi destacar esse trecho, em que a Anita faz uma reflexão a respeito de sua amiga, Alexandra, e essas questões sobre invenção e narrativa.


Se Alexandra queria encontrar um propósito benigno numa infelicidade, cedo ou tarde ela o encontraria. Sua mente ergueria a ponte necessária para que sua explicação de mundo se justificasse. Ela aguardaria com paciência o episódio venturoso que poderia ser interpretado como resultado de um revés anterior. A vida lhe ofereceria um, com certeza, ficando mais uma vez provado que o sofrimento é apenas prelúdio para a felicidade - uma perspectiva que, no caso dela, provou ser insustentável. Mas às vezes um revés é apenas um revés. É comum ficarmos sem compensação nenhuma para um desastre, uma agressão, um erro, uma doença, o fim de um amor, a perda de uma pessoa amada. É uma questão de perspectiva, ou de fé. Nascemos com um prazo limitado para interpretar o mundo. Fazemos o que podemos. O legado de todos que nos precederam nesse esforço pode ajudar ou confundir, e em última instância ninguém nunca prova nada. Atribuir um propósito superior a um lance qualquer da vida é construir uma ficção muito pessoal. Dar sentido ao mundo é um ato criativo. Uma visão de mundo é uma narrativa.
pg. 74

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