domingo, 6 de março de 2011

Asa no Ar, de Vicente Cecim

Exalado pelo Alento: por que veio o Homem de Vento
Inalado pelo Alento, para Onde voltará?  

E a O Que Quem pergunta
aqui
na Breve Residência 

onde é
Asa de Sombra  

dO sido
e
dO  não será


Lendo o poema, talvez o mais notável seja a semelhança sonora das palavras "Alento" e "Vento", ou ainda "Exalado" e "Inalado". Nessa última relação de sonoridade, há também uma oposição semântica: exalado é aquilo que fora expelido e inalado, aquilo que fora absorvido.
Da segunda vez que li essa estrofe, percebi que as primeiras respostas do poema estariam ali, porque não à toa essas palavras se conectam formando a primeira imagem: o Homem, exalado pelo Alento (sinônimo de respiração, de entusiasmo, ou até mesmo de inspiração artística) veio de Vento... Bem, penso o Vento como uma corrente de ar que se desloca. O Vento é o ar em movimento trazendo o Homem... Foi a partir dessa interpretação que compreendi o questionamento: Tu, Homem, se Inalado pelo Alento, para onde voltarás?

O primeiro sentido do poema, o denotativo, já enraíza a estrutura de significação, porque as palavras apresentam entre si uma relação próxima e real. Pra ser mais clara, todas tem em si a ideia de Vento ou Ar e, portanto, se unem num mesmo campo semântico. Entretanto, só essa ligação não faz o poema ser poema, porque, como disse na postagem anterior, há de se identificar um campo semântico metáforico que nada mais é do que a representação de todas essas palavras significando em conjunto. Qual seria então a macro metáfora?

A segunda estrofe dá continuidade ao questionamento, mas complica um pouco mais a interpretação. Qual é a lógica sintática desse verso? "E a O Que Quem pergunta?". Não há definição um sujeito. Só consigo pensar nessa frase como resposta de si mesma, porque não consigo compreender nem quem, nem o que a quem pergunta... e essa desconstrução gera outras tantas direções de sentidos, todos confusos e inerentes a essa bagunça proposital... Demais, né? Também curti!

Seguindo a arquitetura poema....
"aqui
na Breve Residência
onde é
Asa de Sombra"

Entendi que o poema situa a "Breve Residência" como o "aqui", que é ao mesmo tempo "Asa de Sombra", estando o eu-lírico e/ou o Homem nele presentes.

A imagem que foi se constituindo, foi uma imagem mística, ou até mesmo mitológica... O título do poema, "Asa no Ar", dá os primeiros indícios do campo semântico que se utilizou o poeta... (e que já comentei!) Envolto de mistérios sobre a origem e sobre para onde vai o Homem, o poema traz também a clareza de que este Homem que (se) questiona, ou que é questionado, encontra-se "na Breve Residência"...
Na minha opinão, trata-se claramente da passagem do Homem pela Terra, da sua vida e morada terrenas. Esse mistério não é somente presente no contexto real do tema, mas é também caracterizado na escolha das palavras em que, numa espécie de metonímia, a "Breve Residência" é também  "Asa de Sombra" - uma asa de dúvida, algo que se interpõe entre duas coisas e que não as deixa ver claramente...

Continuando e finalizando...
"dO sido
dO não será"

Organizando as informações, entendo que o Homem procedeu do Vento expelido pelo Alento, como se surgisse de um sopro. O mesmo Homem reside de maneira breve sob uma Asa de Sombra, sombra que se põe entre o "sido" (desde sua origem até onde se encontra sendo) e o "não será" (o futuro duvidoso, em que quando for absorvido pelo Alento, o Homem permanecerá incerto sobre para onde voltará).

Se ainda não consegui ser clara, penso que o poema trata basicamente do Ser e da Existência, dessa dúvida sobre nossa origem e sobre o fim da passagem pela Terra, a pós-morte... Esse tratamento com as palavras não se dá maneira conceituada, mas sim poeticamente.

Basicamente, posso resumir que as micro metáforas do poema surgem das seguintes oposições:
veio - voltará
exalado - inalado
sido - não será
essas oposições se constituem em outras relações com as demais palavras, formando a imagem e a unidade do poema.
Estou sendo repetitiva?

Para finalizar, só queria dizer que o fato de algumas palavras estarem com as iniciais em maiúsculo também interfere na interpretação e demonstra uma característica na escrita de Vicente Cecim a respeito de uma possível intenção em tratar da universalidade das coisas, e não de suas particularidades. Por exemplo, o Homem do poema não é um ser humano qualquer, mas a Homem em sentido amplo: a Humanidade.

Esqueci de comentar também que há uma segunda relação que parte da ideia de que inalado pode significar também "sem asas"... o Homem, em sua origem, apresenta-se no poema como uma espécie de anjo que perde suas asas quando cai sobre a Terra. Supondo que ao fim da Breve Residência, o Homem retorna ao seu lugar de origem, o Alento, o Homem em condição humana, sem asas, desconhece sua condição anterior de anjo e por isso não sabe o lugar para onde voltará.

Bem, o texto já está muito grande e possivelmente cansativo, mas acho que o fundamental eu consegui explorar. Minha interpretação não é definitiva, e ainda há muito o que falar sobre esse poema. O objetivo era demonstrar como cheguei à leitura crítica, e não necessariamente dar as minhas conclusões.

Por favor, comentem.

4 comentários:

Ana disse...

Você foi clara e didática o suficiente pra mim, (totalmente leiga no assunto, exceto pelo que estudei no ensino médio, gostando, mas com pré-conceitos CONTRA a poesia), pude entender muito bem e gostar do poeta e de seu escrito... Na poesia o que está nas entrelinhas é o mais significativo e significante... E o Vicente viaja e nos leva junto... Obrigada pelas suas informações: alumiou minh'alma!!! Ahahahah!!!

Breno Melo disse...

Mto bom texto, menina! Já vi q vc é bastante inteligente e q o nome de seu blog não foi escolhido por acaso! Quantas pessoas diriam q inalado (in+alado) tem a ver com asas? Pouquíssimas pessoas, especialmente pq "alado" faz parte de um vocabulário mais erudito enqto "asa", de um vocabulário bastante popular... Um ótimo carnaval pra vc! ;)

Mateus Moura disse...

egua, tu vai manter esse blog nesse ritmo? que beleza!

essa coisa da "unidade" que é foda valendo numa obra como a que o Cecim escreve, que toda a obra dele tá, em essência, nesse poema, como em qualquer outro dele. não pq ele escreva sempre a mesma coisa, mas pq ele habita esse lugar que é Andara - que é feita de matéria verbal e luz metafórica.
o que senti, e sei que tu sente, é de como é chato falar de poesia (já que é tão maravilhoso lê-la) mas de qnt é importante lê-la bem, e que isso demanda esse debruçar critico.
a questão forma-conteudo já é pra mim o que tu disse aí a muito tempo, e graças a deus todos nós já chegamos nessa conclusão (espero que não demore tanto pra isso virar senso-comum).
To louco pela narrativa agora, essa louca aventura, estudando mesmo... mas na poesia me sinto no sei de mamãe. Por isso que o cecim, que é tudo isso, é o seio da mãe e da amante, é o gozo maternal-erótico, o âmago do prazer pra mim.

Felipe disse...

Concordo com a "macro metáfora" de que tu falaste e penso que o "Homem de Vento" de que o Cecim fala logo no início da poesia é o adjetivo "mais forte" do texto (Vento sempre me lembra algo aleatório, sem direção, ao mesmo tempo que me remete a uma noção de deslocamento ou seja é um adjetivo que qualifica e indica um tipo de ação primitiva, uma ação que parece estar na essência da palavra "vento"- como tu mesma disse quando pensas em vento pensas em algo em movimento).
A (des)personalização que ele trabalha "só" colocando uma letra maiúscula em certos artigos parece ser fruto de uma Necessidade de haver o ponto que origina o movimento inical do "Homem de Vento" (quando ele diz "E a O Que Quem pergunta" o poeta evita chamar aquilo que dá início a tudo de "quem", justamente por não saber Quem é ou se é Alguém; já usando "O que" só evidencia que pode ser Qualquer coisa). "Asa de sombra", eu acho, é o termo que mais me instiga: imagino alguém na terra (a breve residência) coberto pela sombra de uma asa que voa (ligo imediatamente asa à vôo) - sombra que, concordo contigo, é mistério, incerteza, angústia.

Por favor continua escrevendo.