sábado, 17 de maio de 2014

Caderno de um Ausente



"tu descobrirás, filha, que sonhar nos salva da rotina, mas, também, nos desliga da única coisa que nos mantém em vigília: o muro concreto do presente.______ Sim, estou ótimo pra alguém da minha idade, ao menos é como me sinto, quero permanecer ainda um tempo por aqui, mas, preciso te dizer, filha, sei bem distinguir quando aquilo que capto, na configuração das nuvens, é apenas uma suspeita ou um fato a caminho, ineludível, aprendi a ler o que está escrito nas altas esferas, e também no rodapé da nossa rotina" 




Escolher um livro de leitura rápida para resenhar e publicar no blog - minha missão cumprida. Passando pela livraria, a opção mais óbvia foi o livro do João Anzanello Carrascoza. Julgando-o pela aparência, realmente um livro pequeno, e bonito. 

O design, como sempre, é o forte das edições da Cosac Naify. A capa simula uma espécie de caderno cujas "linhas" são lacunas, espaçamentos sem nada escrito, à espera de completude. Ou, poderia simular também, o apagamento de algo que estava escrito, como se as mesmas linhas fossem, na verdade, marcas de correção, manchas brancas sobre as letras. 

Nessa perspectiva semiótica em que o objeto livro comunica por meio de sua plasticidade o tema da ausência já existente no título, as prévias indagações sobre o "Caderno de um ausente" foram substituídas, rapidamente, pelo virar das páginas.

O texto é fortemente lírico, pois carrega a emotividade de um pai que, de maneira confessional, transfere sua angústia para as letras e as direciona a sua filha recém nascida, Bia. 

O tom epistolar mescla a voz memoriosa com o medo da não proximidade futura entre pai e filha, já que diferença de idade entre ambos é grande.

As lembranças familiares que o pai traz são como recortes fotográficos, e assim são descritas e mencionadas, na medida em que ele, eu-lírico, cita as imagens que registram os traços de parentescos, trazendo para a sua escrita em prosa a identidade que objetiva projetar para Bia.

Este não é um livro de inicio, meio e fim. A história que absorvemos está implícita na delicadeza das impressões de um pai, do sentimento de amor e insuficiência que ele demonstra, tanto pela ausência futura de sua paternidade, quanto pelo silêncio que veste nesses momentos em que não sabe ao certo o que dizer. 

No fundo desse livro, não há mensagem nenhuma que seja mais importante do que toda a sensibilidade que o pai transfere para suas palavras, e é essa a grande lição que ele pretende transmitir para Bia: impressões sensíveis; o sentir dos momentos, do mundo, além da ausência e da saudade sem convívio.

"eu ia te ensinar, Bia, por que, subitamente, a linguagem frutifica, vazando primavera por todos os poros, por que é mais digno se molhar no sangue do presente do que no pó dourado do passado, ______eu ia te ensinar por que de não em não o tempo se sacia de nós, o tempo nos nega os desejos e nos avilta os sonhos, por que não existe a terra prometida senão em nós, e porque ela está cercada de continentes barrentos e istmos movediços"