quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ana C.

{essa mulher fui eu, nascida em outra data}

olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

ESTE LIVRO

Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do
coração. É prosa que dá prêmio. Um tea for two
total, tilintar de verdade que você seduz, charmeur
volante, pela pista, a toda. Enfie a carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.

ATRÁS DOS OLHOS DAS MENINAS SÉRIAS
Aviso que vou virando um avião. Cigana do horário
nobre do adultério. Separatista protestante.
Melindrosa basca com fissura da verdade. Me
entenda faz favor: minha franqueza era meu fraco, o
primeiro side-car anfíbio nos classificados de
aluguel. No flanco do motor vinha um anjo
encouraçado, Charlie’s Angel rumando a toda para
o Lagos, Seven Year Itch, mato sem cachorro. Pulo
para fora (mas meu salto engancha no pedaço de
pedal?), não me afogo mais, não abano o rabo nem
rebolo sem gás de decolagem. Não olho para trás.
Aviso e profetizo com minha bola de cristais que vê
novela de verdade e meu manto azul dourado mais
pesado do que o ar. Não olho para trás e sai da
frente que essa é uma rasante: garras afiadas, e
pernalta.




domingo, 11 de setembro de 2011

Resenha: Avalovara, de Osman Lins

Osman Lins é autor de várias obras importantes para a Literatura Brasileira. Dentre elas, o romance Avalovara (1973) se destaca pela engenharia literária elaborada sobre uma espiral e um quadrado, traçados com base no palíndromo sator arepo tenet opera rotas. Numa analogia referente a própria construção narrativa, qualquer que seja o percurso de leitura o sentido da obra é o mesmo.

    

A história diz respeito a Abel, um homem que quer se tornar escritor e ao longo de sua trajetória se envolve com três mulheres: Annelise Ross, Cecília e uma terceira, representada apenas por um símbolo. Numa reciprocidade, os personagens atravessam uma rede complexa de questionamentos sobre liberdade, amor, tempo, entre outros temas que surgem numa sempre referência às oito pequenas narrativas que formam o romance, narrativas que descrevem uma órbita de reflexões sobre o mundo, entre aquilo que é humano ou divino, físico ou metafísico, cujo centro é Abel.

O experimentalismo formal da estrutura narrativa dá passagem da representação do plano psicológico para a exploração da linguagem no fluxo da prosa literária, de modo que a organização do romance revela-se como um recurso de Osman Lins para estabelecer uma relação narratária entre espaço e tempo que vai além da mera representação do real, pois define-se como uma simbologia para os questionamentos existenciais e a busca de uma identidade ou de uma resposta para Abel.
Essa relação narratária, entretanto, demonstra uma trajetória que só traz mais dúvidas e desterro (linguístico, espacial, temporal e sentimental) ao protagonista, ao invés de uma possível auto-compreensão de suas relações e das relações humanas de maneira geral.


O trajeto de Abel que se inicia de Pernambuco à Europa, finda-se em São Paulo, onde ele encontra a plenitude e o êxtase do amor e da criação.

 Trecho de Avalovara, N2, pag. 354
Transitamos entre nós, vamos de mim a mim eu eu nós eu eu de mim a mim, laço e oito, boca e boca, transitamos e somos, a esfera circunscreve-nos e nós próprios uma esfera, boca e boca (de quem?) coxas braços joelhos bunda orelhas (de quem?) membro garganta bainhas rorantes o prazer formando-se os culhões acesos cabeleiras ais. Relâmpagos arabescos convulsos lento rolar dos trovões estrondos dos trovões carradas de pedrouços entornados sobre lastro de madeira uma explosão atira-os para o ar a sala treme cintilam cristais lustres vidros caixilhos moldura nuvens de chuva açoitadas edifícios pára-raios antenas de TV.
Descrição presente na parte posterior da 5ªed:
Poema? Romance? Ensaio ficcional? Fábula metalingüística? Publicada em 1973, a obra máxima do pernambucano Osman Lins continua a instigar novos leitores. Livro único, que desafia os gêneros, Avalovara é, antes de mais nada, um mergulho vertiginoso no cerne da linguagem: lá onde os nomes fecundam-se mutuamente à espera de realidades que ainda não nasceram. Com habilidade magistral, que modula cada frase, cada som, Osman Lins intercala oito temas narrativos que atravessam tempos e espaços distintos, saltando de Amsterdam a Recife, de Recife à Roma Antiga, daí a São Paulo e vice-versa, formando um esplêndido conjunto, no qual o próprio livro, em sua concepção, tratamento e estrutura, torna-se uma imagem de totalidade, uma cosmogonia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mostra Hitchcock, parte 2 – um episódio sobre o verdadeiro farsante


Na primeira vez que fui ao CCBB-RJ esse ano, esbarrei com um senhor de uns setenta anos que me empurrou descaradamente no escuro da sala de cinema. Não satisfeito, o diabo que era o velho me rogou pragas como se eu fosse a dona do empurrão.
No dia 3 de julho, esse mesmo velhote de mal com a vida, interceptou uma amiga e eu, enquanto estávamos na fila para mais uma sessão de filmes do Hitchcock.
Bêbado e mal vestido, o grisalho meio careca e meio despenteado era a imagem viva de um senhorzinho decrépito saído de um filme de horror, cuja sabedoria não se deve duvidar:
- Olha pra mim, você me acha bonito? Eu sou muito feio!
- .... ??? ....
- Por que você gosta dos filmes dele (Hitchcock)? .... Ele é um farsante, ha ha ha, um farsante, entendeu?! Você não acha que ele é um farsante? É um farsante... Te provoca coisas que você não sente.
Das mulheres impostoras, a sedutora Madeleine (Corpo que Cai) talvez seja a mais incontestável, num páreo duro com Marnie e seguida de Marion (Psicose), que surpreende seus pares com um furto, uma fuga e um disfarce para se instalar no Bates Motel.
Das graciosas, temos Sra. Froy, a agente secreta disfarçada de governanta (Dama Oculta), Melanie (Pássaros) que conquista pela mentira travessa e Blanche (Trama Macabra) a farsa hilariante em criatura...


Dos sujeitos errados, anti-heróis adoráveis, lidera John Ballantine (Spellbound), personagem pelo qual nos apaixonamos com Dra. Constance, porque afinal de contas nem ele se reconhece diante da própria farsa.

Em Ladrão de Casaca, o impostor é John Robie, ou "Gato", quando o bon-vivant sobe aos telhados...
Temos também o mocinho Ted Spencer  (Sabotagem), dissimulado verdureiro que na verdade é o sargento por trás da prisão de Mrs Verloc, criminoso que chefia o sumário dos farsantes insensíveis. Assim também é Tony Wendice (Disque M), pois ainda que não forje máscaras, finge que não vê, repete o que não foi dito e simula o que sente, maquinando o assassinato da própria esposa.

Hitchcock tem muito filmes. É difícil nomeá-los continuamente. De qualquer forma, fácil é concluir que suas historias encenam mentiras, calúnias e vaidades. Seja por amor, como em Chantagem e Confissão, ou por conspiração, como em O homem que sabia demais.
Personagens falsantes, impostores e enganadores... e o sósia de Van Meer (O Correspondente Estrangeiro) como elementos causadores da ação fílmica.

Hitchcock é um farsante? Pois quem sabe mais, nós ou seus personagens? 
O suspense por vezes está no espectador e não na obra! Terror psicológico, curiosidade veemente e voyeurismo entusiasmante. O diretor é inocente pela mácula inverdade que filma, porém culpado pela imagens sensoriais emblemáticas e tramas que provocam solavancos. A espetacular revelação da verdade que pertence à história é também a intensa verdade com que dirige a câmera.

Farsante...? Farsante é você que se inclui no rolo da película, faz gracejos e celebra a elegância da trapaça, saindo solene do cinema... mas se te acusam de um crime, ha ha ha, tenho certeza de que não farás cerimônia, caro espectador.

Já o Hitchcock... Não. Ele não é um farsante! Mas, sim....  "ele provoca coisas que você não sente".