terça-feira, 15 de março de 2011

Reflexões sobre a subjetividade

Nesse intermédio de tempo, outros pensamentos menos nítidos me vieram essa semana e senti vontade de escrevê-los... mas só hoje consegui entender que o feixe de luz era, na verdade, uma reflexão sobre subjetividade e sua relação com a leitura / produção literária.

 João Cabral disse em entrevista*:
Tenho aversão à subjetividade. Em primeiro lugar, tenho a impressão de que nenhum homem é tão interessante para se dar em espetáculo aos outros permanentemente. Em segundo lugar, tenho a impressão de que a poesia é uma linguagem para a sensibilidade, sobretudo. Uma palavra concreta, portanto, tem mais força poética do que a palavra abstrata. As palavras pedra ou faca ou maçã, palavras concretas, são bem mais fortes, poeticamente, do que tristeza, melancolia ou saudade. Mas é impossível não expressar a subjetividade. Então, a obrigação do poeta é expressar a subjetividade mas não diretamente. Ele não tem que dizer "eu estou triste". Ele tem é que encontrar uma imagem que dê idéia de tristeza ou do estado de espírito - seja ele qual for - por meio de palavras concretas e não simplesmente se confessando na base do "eu estou triste".
Quando penso em subjetividade, logo me vem à mente o Romantismo... a supremacia das emoções mais íntimas do indivíduo-poeta. As dores, as lamentações e o sentimentalismo barato de Álvares de Azevedo:

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Prefiro nem perder meu tempo ao comentar esses versos da  Lira dos Vinte Anos. Até mesmo por respeito aos meus 22, porque ainda tão jovem, posso amargar alguma desilusão que me faça rimar amor com dor (nunca!).

Essa tal subjetividade legou aos românticos o mito da genialidade autoral. Liberdade de expressão e imaginação criativa do poeta - ideologias utópicas que enraizaram  o mau hábito de exigir originalidade (quase que divina) no ato da criação poética. A estética romântica (bendita seja!) impregnou de subjetividade o fazer poético, libertou o poeta da escravidão aos padrões estéticos de uma poética da emulação, enalteceu o ser lírico e o tornou uma espécie de Deus, um profeta oriundo da genialidade do poeta.

Eis uma interrogação no meu fluxo de consciência.

Se considerarmos agora todo o funcionamento da crítica literária e os procedimentos de estudo, tropeçamos logo de início nas ditas escolas literárias - ou melhor dizer "períodos literários"?
O fato é que há uma divisão baseada  na reunião de características e aspectos comuns referentes a uma concepção estética predominante em determinado momento da História. Isto é, um poema cuja forma se assemelha aos demais poemas do mesmo período se insere dentro de uma espécie de "coletividade estética autoral", em que a pluralidade dos poemas singulariza-se na expressão poética de um modelo de estilo.
Hm... Então, por meio desse processo designou-se o Romantismo... as comparações entre Álvares de Azevedo e Byron... o movimento do sturm and drung... e etc.

Assim, só posso concluir que nem mesmo a subjetividade do ego lírico romântico se realiza plenamente.

(!)

Cabral disse que é impossível não expressar subjetividade. Mas o que dizer a respeito daquilo que em nada é subjetivo? ... Deixando a física de lado e me apropriando da metáfora, só consigo pensar naquela velha frase: "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

Palavra concreta: pedra. Palavra abstrata: saudade.
Na verdade, todas as palavras são materiais, físicas (sonoras). 
A poesia conota o que sentimento denota. 
A poesia transforma em subjetividade aquilo que é designado pela Realidade.

Na língu(gem), os recursos e elementos poéticos transcendem a individualidade. Acredito que foi isso que Cabral nos disse. A poesia supera a falsa plenitude da subjetividade em espetáculo e subverte as formas de expressão. A Literatura utiliza as palavras diárias, vulgares e ordinárias, reconfigurando a linguagem, inovando, emulando, criando "a partir de"... mas a gênese poética nunca é absolutamente subjetiva.

Meu silêncio reticente.

A subjetividade especial do poeta, que o proveu da genialidade autoral, permitiu aos escritores um status de superioridade. "Superioridade" que fez com que eu me dedicasse a Álvares de Azevedo ainda nos tempos de escola, acreditando que ele era realmente especial. "Superioridade" imposta pelo cânone e pela crítica tradicional, adotada pelas escolas como regra de leitura.

(!!!)

E a minha subjetividade, vos pergunto. Eu, leitora.
Quem respeita a minha subjetividade?


*Entrevista na íntegra aqui.

domingo, 6 de março de 2011

Asa no Ar, de Vicente Cecim

Exalado pelo Alento: por que veio o Homem de Vento
Inalado pelo Alento, para Onde voltará?  

E a O Que Quem pergunta
aqui
na Breve Residência 

onde é
Asa de Sombra  

dO sido
e
dO  não será


Lendo o poema, talvez o mais notável seja a semelhança sonora das palavras "Alento" e "Vento", ou ainda "Exalado" e "Inalado". Nessa última relação de sonoridade, há também uma oposição semântica: exalado é aquilo que fora expelido e inalado, aquilo que fora absorvido.
Da segunda vez que li essa estrofe, percebi que as primeiras respostas do poema estariam ali, porque não à toa essas palavras se conectam formando a primeira imagem: o Homem, exalado pelo Alento (sinônimo de respiração, de entusiasmo, ou até mesmo de inspiração artística) veio de Vento... Bem, penso o Vento como uma corrente de ar que se desloca. O Vento é o ar em movimento trazendo o Homem... Foi a partir dessa interpretação que compreendi o questionamento: Tu, Homem, se Inalado pelo Alento, para onde voltarás?

O primeiro sentido do poema, o denotativo, já enraíza a estrutura de significação, porque as palavras apresentam entre si uma relação próxima e real. Pra ser mais clara, todas tem em si a ideia de Vento ou Ar e, portanto, se unem num mesmo campo semântico. Entretanto, só essa ligação não faz o poema ser poema, porque, como disse na postagem anterior, há de se identificar um campo semântico metáforico que nada mais é do que a representação de todas essas palavras significando em conjunto. Qual seria então a macro metáfora?

A segunda estrofe dá continuidade ao questionamento, mas complica um pouco mais a interpretação. Qual é a lógica sintática desse verso? "E a O Que Quem pergunta?". Não há definição um sujeito. Só consigo pensar nessa frase como resposta de si mesma, porque não consigo compreender nem quem, nem o que a quem pergunta... e essa desconstrução gera outras tantas direções de sentidos, todos confusos e inerentes a essa bagunça proposital... Demais, né? Também curti!

Seguindo a arquitetura poema....
"aqui
na Breve Residência
onde é
Asa de Sombra"

Entendi que o poema situa a "Breve Residência" como o "aqui", que é ao mesmo tempo "Asa de Sombra", estando o eu-lírico e/ou o Homem nele presentes.

A imagem que foi se constituindo, foi uma imagem mística, ou até mesmo mitológica... O título do poema, "Asa no Ar", dá os primeiros indícios do campo semântico que se utilizou o poeta... (e que já comentei!) Envolto de mistérios sobre a origem e sobre para onde vai o Homem, o poema traz também a clareza de que este Homem que (se) questiona, ou que é questionado, encontra-se "na Breve Residência"...
Na minha opinão, trata-se claramente da passagem do Homem pela Terra, da sua vida e morada terrenas. Esse mistério não é somente presente no contexto real do tema, mas é também caracterizado na escolha das palavras em que, numa espécie de metonímia, a "Breve Residência" é também  "Asa de Sombra" - uma asa de dúvida, algo que se interpõe entre duas coisas e que não as deixa ver claramente...

Continuando e finalizando...
"dO sido
dO não será"

Organizando as informações, entendo que o Homem procedeu do Vento expelido pelo Alento, como se surgisse de um sopro. O mesmo Homem reside de maneira breve sob uma Asa de Sombra, sombra que se põe entre o "sido" (desde sua origem até onde se encontra sendo) e o "não será" (o futuro duvidoso, em que quando for absorvido pelo Alento, o Homem permanecerá incerto sobre para onde voltará).

Se ainda não consegui ser clara, penso que o poema trata basicamente do Ser e da Existência, dessa dúvida sobre nossa origem e sobre o fim da passagem pela Terra, a pós-morte... Esse tratamento com as palavras não se dá maneira conceituada, mas sim poeticamente.

Basicamente, posso resumir que as micro metáforas do poema surgem das seguintes oposições:
veio - voltará
exalado - inalado
sido - não será
essas oposições se constituem em outras relações com as demais palavras, formando a imagem e a unidade do poema.
Estou sendo repetitiva?

Para finalizar, só queria dizer que o fato de algumas palavras estarem com as iniciais em maiúsculo também interfere na interpretação e demonstra uma característica na escrita de Vicente Cecim a respeito de uma possível intenção em tratar da universalidade das coisas, e não de suas particularidades. Por exemplo, o Homem do poema não é um ser humano qualquer, mas a Homem em sentido amplo: a Humanidade.

Esqueci de comentar também que há uma segunda relação que parte da ideia de que inalado pode significar também "sem asas"... o Homem, em sua origem, apresenta-se no poema como uma espécie de anjo que perde suas asas quando cai sobre a Terra. Supondo que ao fim da Breve Residência, o Homem retorna ao seu lugar de origem, o Alento, o Homem em condição humana, sem asas, desconhece sua condição anterior de anjo e por isso não sabe o lugar para onde voltará.

Bem, o texto já está muito grande e possivelmente cansativo, mas acho que o fundamental eu consegui explorar. Minha interpretação não é definitiva, e ainda há muito o que falar sobre esse poema. O objetivo era demonstrar como cheguei à leitura crítica, e não necessariamente dar as minhas conclusões.

Por favor, comentem.

sábado, 5 de março de 2011

Os melhores poemas

Uma opinião - ainda não tão clara e definitiva - circula sobre a ideia de que o efeito estético do poema está em grande parte escondido sob o campo semântico das palavras, e não apenas na sua estrutura.
Isso recai sobre aquela velha discussão sobre forma e conteúdo que, sinceramente, já perdi a paciência. Nem tanto por falta de entendimento, mas por impaciência em relação ao extremismo das abordagens. Como sou pacificadora, acredito numa "forma de conteúdo" como meio mais prático e lógico de lidar com qualquer análise estética. E sobre a arte das letras, penso que não seja diferente.

Voltando ao que eu dizia sobre campo semântico e resumindo essa questão: o poeta usa as palavras para se expressar, escolhe aquelas que mais se aproximam da sensação de que estas mesmas palavras são imagens (representações) e assim estabelece relações semânticas, criando um novo campo, um campo metafórico. Portanto, aquilo que o poeta diz ou pretende dizer é princípio fundador do como ele se expressa.

Na minha opinião, o melhor poeta, aquele que faz os melhores poemas, é o artista que consegue criar a representação mais perfeita de algo-significado, por exemplo os sentimentos. Não são significados referentes a conceitos, mas algo concebido de uma ideia a respeito de. Essa perfeição a que me referi tem a ver com a concepção aristotélica de "unidade" (das heranças teóricas, essa é a que mais acredito com convicção).

Penso que o campo semântico mais perfeito é aquele em que todos os elementos do poema (sejam estes estruturais, fonéticos ou fonológicos, semânticos e morfossintáticos, etc), estejam correlacionados de maneira una, numa coerência harmônica em favor do sentido do poema como um todo.